Representações que resistem

Há coisa de três anos, num artigo de opinião no Público, dávamos conta da nossa leitura dos dados estatísticos relativos à empregabilidade dos professores, com especial atenção aos professores de ciências. Identificámos uma falácia que à força de repetida ganhava peso contra a evidência: a de que não precisamos de formar professores. A verdade é que precisamos.

Qualquer pessoa familiarizada com a escola em Portugal compreende que a situação da renovação da classe docente é urgente. Em nosso entender, é urgente sobretudo para assegurar a transmissão de saberes intergeracionais, a experiência adquirida ao longo dos anos, a cultura de escola que, mais do que substituída, precisa de ser atualizada através de um equilíbrio entre tradição e inovação.

Ora, as falácias distorcem a realidade. Num artigo recente no Público, diz-se que os professores sub-30 dominam a tecnologia; infere-se que os maiores de 30 não dominam, ou pelo menos, abre-se espaço para que o leitor fique com essa impressão.

A ideia de que os professores mais velhos resistem à tecnologia é muito comum. É partilhada por diretores e professores. No entanto, o simples facto de ser comum não significa que seja realidade. Aliás, nas entrevistas que vamos realizando nas escolas, os próprios entrevistados que partilham esta ideia dão-nos contra-exemplos, exceções.

A questão importante é saber o que fazemos com a tecnologia para fins pedagógicos. Os professores de ciências têm aqui um papel fundamental porque, como sugerimos no trabalho inaugural do mCiências, a tecnologia – nomeadamente a tecnologia digital – é parte integrante do processo científico. Por outras palavras, praticamente não é possível fazer ciência sem tecnologia.

Por conseguinte, a tecnologia não serve para motivar os alunos (depois do efeito novidade a integração tecnológica per se não se traduz em ganhos motivacionais). A tecnologia é essencial para a compreensão dos processos científicos. Não basta que o professor use a tecnologia, é necessário cada vez mais que o professor explicite a relação da tecnologia com a ciência. O conhecimento da história dos instrumentos revela-se, assim, como um aspeto a desenvolver na formação dos professores.

E que história a história da tecnologia tem para contar nas ciências! Que melhor introdução à astronomia, do que uma passagem pela construção do telescópio, com as suas lições de ótica, para chegarmos aos radiotelescópios e à escuta do universo que depois se traduz digitalmente em supercomputadores. E integrar, por exemplo, o Stellarium, esperando que o estudo das ciências se estenda pela noite dentro.

Não se trata de uma questão de idade; não se trata de motivar os alunos. No caso dos professores de ciência, a integração tecnológica (incluindo o multimédia) advém de uma profunda compreensão da natureza da ciência articulada com abordagens pedagógicas norteadas por finalidades claras.

Referências

Paiva, J. C., Morais, C., & Moreira, L. (2018, June 26). “Não precisamos de formar mais professores”: uma falácia na opinião pública que compromete a visão para o futuro. In Público. Disponível em  https://www.publico.pt/2018/06/26/sociedade/opiniao/nao-precisamos-de-formar-mais-professores-uma-falacia-na-opiniao-publica-que-compromete-a-visao-para-o-futuro-1833279

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